Os Fabricantes de beós campeões em vendas de genéricos para o SUS e campeões da empurração nos balcões das farmácias também são campeõs em fraudar genéricos. E pior! Conforme apresentado no ranking das fraudes baseado nas listas de interdições da Anvaisa entre 2007 e 2024, os fabricantes campeões na venda de beós são todos reincindentes em fraudar genéricos e similarares, a exemplo do EMS, Prati Donaduzzi e Cimed.
Muitos “genéricos” da Prati Donaduzzi são tratados pelo jargão “capeta” nas farmácias do SUS devido à má qualidade. A pomada de antibiótico Mupirocina era de qualidade tão ruim que ao abrir a tampa o conteúdo escorria pelo tubo feito água. O produto foi denunciado ao Ministério Público, o processo mas acabou em nada e o laboratório continua livre para fraudar.
Exemplos de reincidência em fraudes de medicamentos no país não faltam. Exemplo disso é o anti-hipertensivo Losartana com princípio ativo chinês que já sofreu quatro interdições recentemente: em 2016, em 2017, em 2019 e em 2022. Os diversos lotes de genéricos foram interditados devido à presença da impureza cancerígena, por apresentar princípio ativo abaixo do indicado pelo fabricante ou porque não passou no teste de dissolução (a absorção pelo organismo não acontece igual ao medicamento de referência).
Só em 2019 foram interditados 225 lotes do Losartana fabricados pela maioria dos laboratórios nacionais como EMS, Legrand, Nova Química e Germed. Novamente em 2022 —provando que os laboratórios nacionais são reincidentes em fraudar os próprios produtos—foram interditados mais 100 lotes de genéricos de fabricantes nacionais com princípio ativo losartana importado da China.
Vale ressaltar que cada lote do Losartana dos grandes fabricantes —principalmente quando se trata de medicamento de uso contínuo também fornecido nas farmácias públicas e pelo sistema Farmácia Popular— representa centenas de milhares e até milhões de unidades.
E o pior de tudo isso é que nenhuma caixa de losartana genérica oriunda de fraudes foi efetivamente recolhida da prateleira de nenhuma das mais de 110 mil farmácias espalhadas Brasil afora. E as pesquisas apresentadas no livro mostra que a Anvisa, os laboratórios, as vigilâncias sanitárias e secretarias de saúde estaduais e municipais procuradas não provam o contrário com apresentação de relatórios do recolhimento dos genéricos fraudulentos.
Conforme pesquisa apresentada no livro, a Anvisa e nenhuma vigilância sanitária e Secretaria de Saúde dos estados e municípios do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, laboratórios e redes de farmácias tinha um único relatório para comprovar a retirada das Losartanas interditadas das prateleiras das farmácias brasileiras.
Genéricos não são todos iguais
Sobre a questão da intercambialidade da prescrição médica pelos genéricos e similares bonificados, o médico e coordenador da Sobravime ((Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos), José Ruben de Alcântara Bonfim (acima) alerta: “Se a indústria farmacêutica paga bonificação então fazem coisas muito piores!”O médico José Ruben adverte que o favorecimento da venda de medicamentos nas farmácias mediante o pagamento de propina é antiético e criminoso! A Sobravime sempre se manifestou contrária às más práticas farmacêuticas observadas no Brasil. O comércio de medicamentos no país tem lucros inimagináveis alavancados pela empurroterapia. Essa prática nasceu como política comercial dos primeiros pequenos laboratórios de capital nacional e persiste até hoje para enfrentar a concorrência com as indústrias farmacêuticas multinacionais. O problema é antigo e persiste no país porque não existe controle sanitário nessa área. A exemplo do que se observa nos países desenvolvidos, no Brasil deveria haver um certo controle e cuidados na venda de medicamentos por causa dos riscos que podem causar. A bonificação e a empurroterapia deveriam ser inaceitáveis pelas autoridades sanitárias brasileiras porque a propina sempre vai estimular a troca do medicamento prescrito pelo médico por produto bonificado, além de favorecer a venda de produtos muitas vezes de origem e qualidade duvidosas simplesmente porque oferecem lucros maiores para as farmácias. A empurroterapia é propiciada por acordos comerciais entre os laboratórios e as farmácias, que resultam no pagamento de bonificação pela venda de determinados produtos. A prática é desonesta e antiética porque incita a venda exagerada e desnecessária de medicamentos nos balcões das farmácias ou drogarias. Aí às vezes me pergunto: ‘porque isso nunca acaba no Brasil?’ ‘O que fazem nossas autoridades sanitárias que não cumprem o papel de fiscalizar?’ Porque a empurroterapia é uma prática antiética, fraudulenta, criminosa e tão danosa à saúde da população que jamais deveria existir! Essa distorção ética e comercial observada na venda de medicamentos produz graves danos à saúde e deve ser coibida pelos órgãos de vigilância sanitária. A prática da empurroterapia é uma infração grave sob todos aspectos, sejam eles éticos, comerciais e principalmente de saúde. Porque no geral a prática só beneficia as empresas e maus profissionais que praticam a fraude. O paciente e consumidor de modo geral não deve aceitar esse tipo de manipulação de forma nenhuma. Quem garante as condições de fabricação, qualidade, segurança e eficácia do produto trocado pelo medicamento da prescrição médica? O risco para o paciente é grande porque existem fraudes graves como a falsificação e o controle sanitário é ineficiente.”
Anvisa não fiscaliza importação irregular do insumo chinês dos genéricos
Em entrevista exclusiva para o livro Farmáfia: do outro lado do balcão, José Ruben de Alcântara Bomfin ressalta que o setor farmacêutico brasileiro não é nada confiável e faz um alerta: “Mais de 85% das matérias-primas dos medicamentos fabricados no Brasil são importadas da China sem passar por fiscalização da Anvisa. A Anvisa não fiscaliza a importação dos fármacos e não realiza testes nos medicamentos produzidos nem por amostragem! Então como é que a Anvisa pode garantir a qualidade dos medicamentos consumidos pela população? Como pode a Anvisa garantir a intercambialidade dos genéricos que na grande maioria das vezes são trocados por similares bonificados quando sabemos que não existe fiscalização?”
Pesquisa sobre a importação de fármacos para fabricação de medicamentos no Brasil resultou em tese de doutorado
Para escrever a sua tese de doutorado com o tema “Análise da prescrição de fármacos não constantes da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais”, José Ruben estudou a fundo o sistema de importação de insumos farmacêuticos pelas indústrias farmacêuticas brasileiras. Ruben é um dos maiores especialistas em políticas de medicamentos no país e autor, editor ou tradutor de mais de 50 livros publicados sobre o tema.
Especialista em política de medicamentos denuncia que Anvisa funciona como cabide de emprego
No capítulo “Fiscalização: negligência, incompetência e conivência” o livro Farmáfia: do outro lado do balcão apresenta a entrevista com a também especialista em políticas farmacêuticas e coordenadora da ENSP/Fiocruz-RJ Vera Lúcia Luiza, acima. Ela denuncia que “A Anvisa é repleta de leis, repartições e apadrinhados políticos em cargos de chefia e diretoria! São muitos cargos e teorias, mas nenhuma ação prática de fiscalização que permite todo tipo de fraudes nas áreas de produção e comércio de medicamentos.”
Pesquisar preços e marcas evita comprar gato por lebre
Na contramão da Lei de Genéricos, da ética e dos benefícios para a população, 80% dos medicamentos empurrados nas 160 farmácias pesquisadas abrangendo o PR, SP, RS, RJ e Brasília (a simulação de compra com receita de genéricos foi gravada com câmera escondida) são dos laboratórios EMS, Prati Donaduzzi, Neo Química, Brainfarma, Teuto, Cimed, Multilab: justamente os fabricantes de genéricos mais caros e campeões de interdição da Anvisa.
Conforme o ranking das fraudes apresentado no livro, que foi baseado nas interdições da Anvisa entre 2007 e 2024, o laboratório Brainfarma-Neo Química (mesmo grupo) ocupa o primeiro lugar no ranking com 33 genéricos e similares interditados.
A segunda posição no ranking das fraudes é do laboratório paranaense Prati-Donaduzzi que tem 29 interdições. O Grupo NC (que representa os laboratórios EMS, Germed, Multilab e Nova Química) é o terceiro, com 28 produtos interditados. As demais ocupações no ranking de interdição são dos laboratórios Teuto com 26 produtos seguido pelo Cimed com dez e pelo União Química com sete produtos interditados.
Gravações com câmera escondida revelam como as fraudes acontecem nas farmácias
Conforme apresentado no livro, em uma tradicional rede de farmácias paranaense onde o autor trabalhou em Curitiba o farmacêutico-gerente do estabelecimento orienta:“Aqui você tem que vender vitamina! A Gerovital e a Lavitan estão na campanha e você ganha 10 % de comissão e mais R$ 4 por cada caixa que vender se atingir a meta!”
Em outra rede de Curitiba, o proprietário-supervisor instiga o autor do livro a trocar o medicamento da receita por similar ou genérico bonificados: “Você pode trocar o receituário, que a troca é amparada por lei. Você pode pegar uma receita de medicamento de marca e fazer virar o genérico ou o similar pra ganhar a sua comissão! Pagamos 7 % de comissão nos genéricos e 10 % nos similares!”
CFF reconhece as irregularidades
O assessor técnico do Conselho Federal de Farmácia (acima), José Luiz Miranda Maldonado, reconhece as irregularidades e reforça a importância da ética farmacêutica no exercício da profissão: “Perante a lei o farmacêutico é o responsável técnico legal pela farmácia. E nesse entendimento, o profissional tem suas responsabilidades e pode ser denunciado e penalizado pelas ilegalidades praticadas no balcão da farmácia. Do ponto de vista legal, cível e penal, o farmacêutico é responsável, junto com o proprietário, pelos atos dos balconistas e auxiliares durante o exercício da profissão. Qualquer delito e qualquer anormalidade praticada dentro do recinto farmacêutico é responsabilidade do representante legal do estabelecimento. A farmácia deve ser um estabelecimento de promoção da saúde e o papel do farmacêutico deve ser mais do que simplesmente exercer papel de atendimento no balcão como um simples balconista. No exercício da profissão o farmacêutico deve primar pela lisura, pela transparência e pela ética. O farmacêutico deve sempre pensar na saúde do paciente e jamais deve aceitar a prática da bonificação e da empurroterapia, porque isso fere a conduta profissional. É muito importante e a população tem que saber que o medicamento só deve ser utilizado quando for necessário e no tempo necessário para a cura da doença, ou seguindo um plano terapêutico estabelecido pelo médico prescritor. Qualquer uso além do necessário é consumo irracional de medicamento. Não autorizamos a empurroterapia e recomendamos sempre o uso racional dos medicamentos. E alertamos a população de que o medicamento cura mas o medicamento também pode matar.”